Família Zenidim, em 2019. Da esquerda para a direita: Rani Rex, The Taz, The Last e The King, com Paulão, o Imperador, à frente - arquivo pessoal
“Eu os preparei da melhor forma possível para não se machucarem no ringue. Mas, quando eles choravam, eu e a Sandra também chorávamos, porque, às vezes, eu precisava ser firme e bater forte. (...) Em vários momentos me questionei se estava no caminho certo. Acho que essa é a parte mais difícil [de ser pai e treinador]: encontrar essa resposta”, desabafa Paulão “Imperador”, patriarca do Clã Zenidim.

ENTREVISTA - PARTE 1

Dinastia Zenidim no MMA: a paixão pela luta unindo pai, mãe e filhos

Paulão “Imperador” Zenidim Bueno, 49 anos, lutador desde os 7, é casado com Sandra Zenidim Bueno e pai de outros quatro lutadores: Ranieri Yuri, o “Rani Rex”, 29 anos; Rickson “The King”, 26 anos; Riran “Taz”, 23 anos, ; e Raykon “The Last”, 16. Juntos, eles formam o Clã Zenidim, a Liga de MMA mais antiga do Brasil e da América do Sul, e a quarta mais antiga do mundo.

Concentrados em Ponta Grossa, no centro-leste do Paraná, a dinastia Zenidim promove, desde 1994, o maior evento de MMA da região, o Paulão Fight, acumulam mais de 100 lutas oficiais e mais de 70 vitórias. São exemplo de união familiar e esportiva, além de representarem a construção de laços e valores por meio das artes marciais.

Foi no Reduto da Caveira, local de treinamento da família, que nos encontramos para uma conversa sobre sonhos, determinação, unidade e luta. Confira a primeira parte dessa entrevista.


Como tudo começou

1. Paulão “Imperador”, como a luta surgiu na sua vida?

Paulão: Eu tinha 5 anos de idade, mais ou menos, quando meu tio, que lutava no circo, me perguntou se eu queria lutar, treinar. Então, comecei a treinar com ele em Irati [Sudeste do Paraná], cidade onde a gente morava. Cheguei ainda pequeno em Ponta Grossa e logo comecei a treinar. Treinava de tudo: capoeira, karatê, taekwondo, muay thai; e nunca mais parei.

Eu tive uma oportunidade muito boa, porque os meus mestres já tinham essa visão do vale tudo, eles pensavam desde aquela época, na união das artes marciais, o que antigamente era difícil. Quem praticava uma arte marcial, geralmente não gostava da outra. Era uma rivalidade entre os mestres, entre as equipes.

2. Qual foi a sua primeira luta e a sua primeira vitória?

Paulão: Foi com 7 anos de idade, na capoeira: minha primeira luta e primeira vitória. Mas já tive bastante derrota também. Antigamente, não havia essas divisões por categoria, idade. Hoje, tem a categoria amador, iniciante e por idade. Com 10 anos, por exemplo, eu fiz uma luta com um de menino de 18. Então eu perdi.

3. Você se casou com a Sandra e juntos tiveram quatro filhos, todos lutadores. Como conciliar as funções de pai, empresário e treinador?

Paulão: Para mim, hoje, isso já é muito natural. Mas até eu aprender a conciliar esse os papéis levou tempo, porque não é nada fácil.

Eu treinava meus alunos, e eles observavam, queriam participar, queriam estar ali. Quando eu os tirava, choravam. Então, começaram a treinar desde os três anos de idade.

Muitas pessoas, ao me verem com os meninos, se assustavam. Chegaram até a me denunciar, dizendo que eu estava batendo neles. Por isso, passei a treinar em um espaço fechado. Muitos não entendiam que aquilo era esporte e que eles queriam lutar. Eles precisavam daquilo, de estar no tatame.

O treinamento sempre foi duro. Eu os preparei da melhor forma possível para não se machucarem no ringue. Mas, quando eles choravam, eu e a Sandra também chorávamos, porque, às vezes, eu precisava ser firme e bater forte.

Dentro da arena é complicado: se não estiver bem-preparado, a chance de se machucar gravemente é muito grande.

Em vários momentos me questionei se estava no caminho certo. Acho que essa é a parte mais difícil: encontrar essa resposta. Eu pedi direção a Deus, precisava de uma confirmação, e Ele me mostrou que esse era o caminho. Esse é o maior desafio: ter a certeza de que estamos fazendo o que é certo. Com o tempo, eles começaram a vencer, porque tiveram uma boa preparação. Hoje, acredito que deu certo.

Casamento no ringue: Em 2007, Paulo e Sandra disseram sim ao matrimônio em cima de um ringue, entre uma luta e outra, tornando-se o 1º casamento realizado dessa forma no Brasil. O evento foi destaque no programa Esporte Fantástico, da TV Record. Clique e assista a um trecho desse momento

4. Agora, a pergunta é para a matriarca. Sandra, como é administrar uma família que vive da luta e para a luta?

Sandra: No começo foi bem difícil. Meus pais, a família, todos achavam que era uma loucura. A pessoas queriam que fossemos uma “família normal”, em que o pai sai para trabalhar e a mulher fica em casa cuidando dos filhos. Quando o Paulão largou o trabalho tradicional para se dedicar somente à luta, ele disse que a partir daquele momento viveríamos da luta. Eu confiei e deu certo. Todo sofrimento valeu a pena e eu posso dizer que temos a vida que eu sempre sonhei.

5. Você ficou apreensiva ao ver os filhos trilharem o caminho da luta?

Sandra: Eu tenho muito medo deles se machucarem. Quando tem luta, eu nunca fico na frente da TV assistindo, eu fico no quarto orando por eles. Eu não peço tanto pela vitória, mas para eles não se machucarem.

Sandra, Raykon , Paulão, Riran, Rickson e Ranieri, em 2009 - arquivo pessoal.
Raykon, Ranieri, Sandra, Riran, Rickson e Paulão, em 2023 - arquivo pessoal.

6. Vocês já se imaginaram em outra profissão diferente da luta?

Rani Rex: Não tem plano “B”.

Rickson The King: Está no sangue.

Paulão: Muita gente acha que, por eu ser o pai, forcei eles a ir para a luta. Mas, não, pelo contrário. Eles me pediam e até hoje insistem para eu fechar uma luta para eles. Parte deles e isso é muito legal.

A dinâmica de treinos e lutas

7. Como funciona a dinâmica de treinos, viagens, competições?

Paulão: É muito puxado. Teve eventos em que todos nós estávamos juntos lutando. Eu levava um para lutar, voltava. Levava o outro, voltava. E, por último, eu lutava. Assim, é muito difícil para se concentrar. Agora, a gente procura eventos em que somente um lute. Na minha última luta do dia 29 de julho (confira na galeria de imagens abaixo), por exemplo, só eu lutei. Eles ajudaram a me concentrar. Todos me apoiaram.

Sobre os treinos, é praticamente todos os dias. Temos, em média, cinco lutas por ano, e, quando tem luta, a preparação é mais intensa. Todos ajudam, a Sandra, minha esposa, as minhas noras. Somos uma família, uma equipe e uma empresa também.

Nos treinamentos, cada lutador tem uma função: um trabalha com a velocidade, o outro com a força, outros com o jiu-jitsu. A gente se completa para se preparar bem.

Somos uma família, uma equipe e uma empresa também!
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Vitória do “Imperador”

Paulão “Imperador” Zenidim venceu, em 29 de julho deste ano, Wagner “Zuluzinho” Martins durante o “Paulão Fight”. A luta encerrou o evento realizado no aniversário de Paulão, data em que se comemora o Dia Municipal do MMA em Ponta Grossa, Paraná.

O destaque estava nas diferenças entre os oponentes, o que resgatou características do antigo vale-tudo. Enquanto Paulão possui 1,75m e 77kg, Zuluzinho, que já passou pelo Pride FC, evento de MMA japonês, tem 2m de altura e 170kg. Dentro do ringue, os quase 100kg a menos não fizeram falta e a vitória ficou o anfitrião.

Confira a galeria de imagens da vitória do "Imperador"

Imagens de arquivo pessoal da Família Zenidim

8. O “Paulão Fight” é um evento que vocês realizam desde 1994. Completou 31 anos nesta última edição e, como vimos, com vitória do “Imperador”. Como surgiu este evento? E, o que ele representa?

Paulão: Surgiu em 29 de julho de 1992, dia do meu aniversário, mas se consolidou oficialmente em 1994. Era uma época difícil, não tínhamos dinheiro, e o meu falecido mestre, Pequeno Dragão, iria me graduar faixa preta. Para me presentear, ele pediu que eu organizasse um evento com algumas lutas para, então, eu ser graduado. Eu convidada o pessoal falando “vai ter fight hoje, galera”. Como o meu apelido era Paulão, o evento ficou conhecido como Paulão Fight. Depois, veio 1994, 1995, 1996 e nunca mais parou. Hoje, é o principal evento de luta da região e um dos mais tradicionais do país.

O evento revelou os melhores lutadores daqui e mostrou a família para o mundo. Pode-se dizer que a partir deste trabalho surgiu o Clã Zenidim. Somos a Liga de MMA mais antiga do Brasil e da América do Sul, e a quarta mais antiga do mundo. A gente sempre lutou aqui como preparação para os eventos maiores. E deu certo, o pessoal de fora começou a olhar e perceber que somos bons.

Somos a Liga de MMA mais antiga do Brasil e da América do Sul, e a quarta mais antiga do mundo.

9. Vocês registraram, como família, mais de 70 vitórias profissionais somadas pai e filhos. Quais são os próximos desafios e metas no MMA?

Paulão: Nossa meta, agora, é trazer mais um cinturão para casa. No dia 21 deste mês [agosto], o Rickson vai disputar o cinturão mais importante da América Latina, no FFC [Future Fighting Championship], em Lima, no Peru. O evento passa no canal oficial do UFC, o UFC Fight Pass, para o mundo inteiro.

Só de lutar por este cinturão, já é uma alegria muito grande. O Rickson é o número um no ranking latino, na categoria dele, mas esse evento vai dar mais visibilidade, é uma porta para o UFC, que é nosso objetivo principal. Por isso, os treinos, dessa vez, são focados todos no Rickson. Quem sabe ele volta campeão e participe do UFC Brasil, em outubro, no Rio de Janeiro? Lá estarão os melhores do mundo.

Depois, será a vez de focar no Raykon, nosso caçula, que está vivendo suas primeiras experiências na luta.

Próxima luta do Rickson The King
Próxima luta do Raykon The Last

Homenagem do Dia dos Pais

10. A pergunta, agora, é para os meninos. Estamos no mês dos pais. O que o Paulão, versão pai, representa para vocês?

Rani Rex: O pai é nossa inspiração, é nosso herói. Tudo o que a gente sabe, foi ele quem nos ensinou, tanto na luta como na vida. Ele está sempre junto da gente, nos acompanha em todos os processos.

O pai nos treina, nos leva para lutar. Em todas as minhas lutas, ele estava do meu lado. O pai é a nossa base, nosso exemplo, é tudo para nós. Eu não sou nem 40% do que o pai é para mim.

Ele foi o melhor filho, porque eu acompanhei ele como filho do meu avô, é o melhor pai, e, agora, o melhor avô.

Rickson The King: O pai e a mãe são a nossa base, não me imagino sem eles. Os dois sempre mantiveram a família unida. Nós procuramos fazer tudo juntos, buscamos os conselhos deles em cada passo que vamos dar, cada nova experiência.

Essa é a diferença: nós temos alguém para guiar nossos passos. Isso nos matem firmes em nosso propósito e faz diferença quando se busca ser campeão do mundo.

O lutador, o campeão, precisa de alguém que mantenha ele na linha, disciplinado. Quando se vive por conta própria, fazendo o que desejar e como desejar, a pessoa pode até chegar longe, mas dificilmente conseguirá se manter. Com o passar do tempo, é normal se distanciar um pouco dos seus objetivos. É por isso que precisamos do pai e da mãe, para trazer a gente de volta, nos ajudar a manter o foco.

O propósito de um de nós se torna o propósito de todos. Temos um só objetivo. Se na próxima luta eu for campeão, não serei sozinho, toda a família conquistará esse título comigo. Esse é um princípio ensinado pelo pai.

Riran Taz: O pai e a mãe estão sempre juntos, nas vitórias e nas derrotas. Têm dias que a gente não acorda motivado e o pai está ali para nos treinar, nos levantar. Ele é o mais confiante, acorda cedo, passa café e sai gritando, falando da luta, que vamos ganhar, vamos arrebentar os “caras”. O pai posta direto no blog, nas redes sociais, desde cedo, que a gente lutar e vai ganhar. É legal ver essa motivação, nos anima para chegarmos lá juntos. Isso é o mais importante.

Raykon The Last: Eu concordo com tudo o que os meus irmãos falaram. O pai é a nossa inspiração. Os dois são nossos pilares.

Riran ao lado do pai após uma luta - arquivo pessoal.
Raykon, o caçula, com o pai, após vitória conquistada no início deste ano - arquivo pessoal
Da esquerda para a direita: Ranieri, Raykon, Chloe, no colo do papai Rickson, Michely Massa (eu), Sandra, Paulão, com o neto Rayan, e Riran, no Reduto da Caveira, local de treinamento da família Zenidim, durante entrevista para a Revista One Way.