Em busca da sorte perdida
Como jogos populares destroem finanças e alimentam sonhos impossíveis
Eu te convido a refletir comigo sobre os impactos dos jogos de apostas na vida das pessoas.
No Brasil, os jogos populares de apostas esportivas conhecidas como Bets, jogos do Tigrinho e outros semelhantes têm se tornado cada vez mais presentes na rotina das famílias, especialmente aquelas de baixa renda. Embora vistos inicialmente como lazer ou oportunidade fácil de renda, esses jogos frequentemente se tornam grandes vilões dos orçamentos familiares, criando ciclos de endividamento e sofrimento emocional.
A tomada de decisão financeira é fortemente influenciada por aspectos emocionais, mais do que por raciocínio lógico ou pela informação disponível. Pessoas que vivem em contextos socioeconômicos mais vulneráveis frequentemente veem nesses jogos uma oportunidade de transformação financeira, alimentando esperanças de um futuro próspero com dinheiro fácil e imediato.
O vício nos jogos explora profundamente as vulnerabilidades psicológicas e cognitivas humanas.
Qual é a estratégia desses jogos?
Inicialmente, pequenas vitórias são estrategicamente oferecidas pelos algoritmos dos jogos eletrônicos e plataformas de apostas. Estes pequenos ganhos ativam no cérebro o sistema de recompensa, liberando dopamina, o hormônio associado ao prazer e felicidade.
O córtex pré-frontal, responsável pelo julgamento racional e controle dos impulsos, passa a funcionar de forma prejudicada, tornando o indivíduo mais susceptível a apostas arriscadas e continuadas.
O vício nos jogos explora profundamente as vulnerabilidades psicológicas e cognitivas humanas. De acordo com os autores Brad e Ted Klontz, no livro "A mente acima do dinheiro", as decisões financeiras prejudiciais são frequentemente guiadas por distúrbios financeiros inconscientes, provenientes de traumas ou preceitos financeiros incorretos formados desde a infância.
Esses jogos criam uma ilusão de competência e controle, gerando sentimentos intensos de excitação e esperança que são, em última análise, ilusórios e efêmeros.
O resultado disso é a perpetuação do comportamento destrutivo, mesmo diante de perdas financeiras significativas.
Caso real
Em um ano, gastou mais de R$ 3 mil e só recebeu R$ 900,00
Quando comecei a abordar esse tema em minhas palestras de educação financeira não sabia muito sobre o assunto, justamente porque não faço apostas. Então, perguntei a uma colaboradora de uma empresa em que sou consultor se ela conhecia e se fazia apostas. Ela disse que sim. Jogava há quase um ano, mas não sabia quanto havia ganhado nesse período, o que tornou a conversa interessante para mim.
Ela me disse que gastava em torno de R$ 300,00 por mês em apostas virtuais, o que corresponde a aproximadamente ¼ do salário-minimo, justamente o que ela recebe. Perguntei se ela já havia ganhado algum valor substancial. Respondeu que no início ganhou quase R$ 700,00 em um só jogo.
Nesse momento, ela lembrou que somado a outros ganhos, já recebeu aproximadamente R$ 900,00. Não me contive e fiz a seguinte pergunta para ela:
“Você já parou para pensar que não faz sentido, que a conta não fecha? Em um ano você gastou mais de R$ 3 mil e só recebeu R$ 900,00”.
Ela, inicialmente, parou e ficou alguns segundos me olhando firmemente, como se eu tivesse descoberto a lâmpada. Em seguida, disse: “Verdade, nunca tinha parado para pensar nisso, sempre busquei recuperar o que perdi”.
Fiz uma continha básica, mostrando que se ela parasse de apostar, pegasse apenas a metade do que ela gasta com aposta e guardasse em um investimento conservador, quando ela chegasse perto da idade de se aposentar, teria guardado mais de meio milhão de reais. Eu não estava falando de aposta, mas de ganho real com economia, poupança e investimento.
A reação dela foi incrível. Na semana seguinte, quando eu cheguei na empresa, ela veio correndo me contar que excluiu todos os aplicativos de apostas e que não quer mais saber disso na vida dela.
O que aprendemos com isso?

É possível reverter o jogo
A prática de jogos pode ter consequências devastadoras, potencializando problemas financeiros e emocionais já existentes. A solução passa por uma abordagem comportamental e psicológica profunda, baseada na compreensão dos mecanismos mentais subjacentes ao vício financeiro.
Entender que o problema existe, é o primeiro passo para superá-lo. Uma abordagem terapêutica eficaz é identificar os traumas financeiros que alimentam o vício e substituí-los por hábitos financeiros saudáveis.
Jogar pode ser divertido e recreativo, desde que acompanhado de limites conscientes e autoconhecimento emocional. A verdadeira riqueza vem do equilíbrio emocional e da inteligência financeira saudável, nunca das falsas promessas de ganhos fáceis.
O dinheiro encurta caminhos e nos coloca em condições de alegria. Mas, reflita sobre a importância que está dando ao dinheiro, porque os instantes de felicidade verdadeira conseguimos nas pequenas coisas.
Texto de Edisio Freire. Conheça o autor!
Edição de texto e imagem, por Michely massa, jornalista.


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