A One Way conversou com Edisio Freire, baiano, casado e especialista em Finanças Comportamentais e Educação Financeira, para entender como se dá a relação entre alegria e finanças pessoais e o que fazer para evitar uma ressaca financeira.

Freire é economista há quase 20 anos, mas em 2012, diante de uma dificuldade financeira pessoal, decidiu se aprofundar em educação financeira e mudou primeiro o rumo da própria história para, depois, ajudar outras pessoas a viverem a mesma transformação.

Hoje, tem quatro pós-graduações e uma extensão nas áreas de Finanças, Gestão Pública Empresarial e Política Estratégica, é professor, palestrante, educador e planejador financeiro e tem uma empresa de consultoria financeira com assessoria para empresas.

Referência no assunto e fonte em diversos veículos de comunicação, Freire nos concedeu essa entrevista cheia de leveza e de lições para o bolso e para a vida.


1. Alegria e finanças possuem conceitos bem diferentes e em áreas distintas, mas que se conversam. Como a alegria e o prazer interferem nas finanças pessoais?

Vamos encontrar prazer, obviamente, naquilo que nos traz mais felicidade, mais alegria, o que muda de acordo com o perfil de cada pessoa. Na filosofia de Spinoza, a felicidade é o auge, quando se está na mais alta potência de agir e você não quer que esse momento acabe.

Trazendo isso para as finanças, ao serem estimuladas com o hormônio do prazer e da alegria, as pessoas se tornam, em alguns casos, mais propensas ao consumo.

Há um apelo do marketing para questões voltadas ao prazer, ao status, que vão impulsionar o consumo. Se não houver controle emocional sobre isso, a pessoa acaba sendo levada.

2. Então, o ato de comprar pode representar, muitas vezes, essa potência de ação e de felicidade?

Consumir, gastar, comprar são ações que dão prazer. Eu brinco sempre dizendo: ‘eu gosto muito de comprar, mas não gosto muito de pagar!’ Na hora de pagar é ruim, mas comprar é bom. O consumir é bom.

Essa relação da felicidade, da alegria e do prazer ao consumo é muito peculiar e recorrente. Em alusão às questões de festa, de carnaval, por exemplo, a pessoa está muito motivada porque quer muito viajar, conhecer um lugar, passar algum feriado, então, acaba não fazendo conta porque naquele momento está muito estimulada pelo prazer, pelo desejo de consumir, pelo desejo de fazer. Quando a festa acaba, a consciência volta e ela pode cair em uma reflexão bem delicada.

3. É possível utilizar o dinheiro e ter essa sensação de prazer de maneira mais consciente, sem remorso ou ressaca financeira?

Não tem nada de errado em querer trocar de carro, ter uma roupa bacana. A gente precisa desmistificar essa questão.

“Gastar não é errado. Gastar sem poder é. Você vai se endividar e entrar em um ciclo prejudicial à sua vida, não só financeira, como emocional, e atrapalhar suas relações na família, no trabalho. É esse nível de situação que a gente precisa, de fato, cuidar”.

4. Quando o consumo para satisfazer essa felicidade, ainda que momentânea, se torna um problema?

Há distúrbios financeiros relacionados ao consumo: consumo de forma desordenada ou um nível de avareza muito grande. Esses são elementos extremamente ligados à questão comportamental. Se eu estou triste, eu vou consumir. Se eu estou feliz, eu vou consumir porque estou feliz. Você busca essa fuga que, em muitos casos, é reflexo de algum comportamento ou trauma da infância. O consumo se torna uma forma de compensá-lo.

Fazendo um paralelo, é mais ou menos o que acontece com as pessoas que não conseguem emagrecer. É óbvio que existem casos de distúrbio hormonal e a questão do peso não estaria ligada à dieta, mas 90% das pessoas com sobrepeso emagreceriam com uma dieta bem estruturada. No entanto, a pessoa não consegue deixar de comer porque a comida dá prazer.

Para essa pessoa, o prazer não está no consumo, no comprar, está em comer. Então na hora que ela come, o hormônio da felicidade é ativado e ela sente alegria, prazer e isso faz com que ela não consiga parar de comer.

E assim acontece nas finanças. Às vezes, a pessoa não consegue parar de comprar. Toda vez que está transtornada com alguma situação, ela acaba se debruçando no consumo, vai para o shopping, estoura cartão de crédito.

Caso real

Tem um caso muito interessante de uma cliente que estava em um trabalho de gerenciamento financeiro em um momento difícil, muito endividada, e isso gerava um estresse, uma angústia e uma frustração muito grandes. Como ela compensava isso? Gastando.

Que paradoxo! Ela aumentava a sua dívida porque na hora da compra ela sentia prazer, aliviava o stresse.

5. Uma hora a conta chega...

A gente gosta de coisas boas e eu não estou dizendo que não se deva ter, mas é preciso construir o lastro para ter. Se você tiver coisas que não pode pagar, a conta vai chegar de alguma forma, seja a conta financeira, ou a conta emocional, porque o endividamento traz vários prejuízos emocionais.

6. O consumo de experiências e não de “coisas” seria mais saudável?

A construção de experiências têm muito mais valor para uma história de vida do que coisas. Eu preciso ter um celular, eu vou ter um celular muito bom, mas se eu não posso ter um de primeira geração e eu faço um esforço sobre-humano para isso, estou despendendo dinheiro em algo que só vai me trazer alegria naquele momento, porque depois que você compra, passa algum tempo, aquele celular ou qualquer outra coisa que você adquira, já não tem o mesmo valor para você, e não estou falando de valor monetário.

Então, quando você constrói uma experiência, isso fica na memória, isso te permite voltar outras vezes a outros lugares.

7. Como ter essas experiências sem despender muito dinheiro?

Você pode usar a criatividade e viver experiências sem gastar muito dinheiro. Há cidades com muitas programações culturais gratuitas, por exemplo, e que você pode viver uma experiência com sua família.

Se você não tem, talvez, o recurso hoje para ir a uma rede de fast food, mas quer sair com seu filho, pode ir a uma praça pública, comer um espetinho, um cachorro-quente. Depois, você volta para casa, ve o pôr do sol. Eu estou falando de coisas simples, esse é um bom uso do termo minimalismo.

Ter dinheiro é bom. Mas, quanto de dinheiro é o suficiente para você?

8. Afinal, o dinheiro traz felicidade?

Muitas coisas precisam ser desmistificadas em relação ao dinheiro, para que a gente tenha a tranquilidade de usá-lo como um apoiador, não como um instrumento. É lógico que o dinheiro é importante, mas a gente precisa entender o que é suficiente, ter o conceito de suficiência é fundamental. Ter dinheiro é bom. Mas quanto de dinheiro é suficiente para você?

O problema é que a gente tem as necessidades limitadas, os recursos são escassos e a gente quer sempre mais. Se você ganha um salário-mínimo, você gasta um salário. Se você ganha dois salários, você gasta três, e por aí vai. Então nunca será o suficiente.

Eu tenho o conceito de suficiência na minha vida. Gosto de coisas boas, de viajar, de estar em lugares bacanas, de me vestir bem, mas eu faço isso dentro das minhas condições, sem perder de vista ações que são elementares no dia a dia, que geram experiências positivas e me dão condição de ajudar pessoas, de realizar sonhos, de ter momentos de alegria. Isso é algo que a gente vai buscando e vai construindo. Dinheiro é bom, agora, ele precisa ser da medida certa.

Eu brinco sempre com essas histórias de loteria. Não jogo porque não quero ganhar na mega sena. Até quero que algum amigo ou conhecido ganhe e me contrate para administrar o dinheiro dele. Mas eu não quero ganhar. É muito dinheiro para mim, é mais do que o suficiente.

Da mesma forma que o dinheiro traz coisas boas, traz coisas negativas. O dinheiro em excesso tira a sua liberdade, sua privacidade, tranquilidade, autonomia e paz. Por que não buscar ter o suficiente? Dessa forma, é possível viver bem, ter uma boa estrutura, comer, estudar e morar bem, e ser livre ao mesmo tempo.